segunda-feira, 14 de março de 2011

Um clamor feminino

Li este artigo em um blog e achei importante reproduzi-lo. Leia-o com atenção e com o coração aberto.


Luciano Oliveira


Vislumbres do Reino II

Não sei exatamente porque estou postando essa matéria aqui. Mas, sinceramente, ela mexeu muito comigo. Eu consigo ver o Reino de Deus se manifestando ali no Congo. E fico pensando no que temos feito de forma efetiva pra sarar tantas feridas abertas nessa aldeia global que vivemos.
Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados“. Provérbios 31:8-9
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Eve Ensler tem um plano audacioso. Há anos diplomatas, assistentes sociais, acadêmicos e autoridades do governo daqui estão à beira da paralisia, sem saber como combater o desconcertante problema de violência sexual no país. Centenas de milhares de mulheres já foram estupradas, muitas de forma sádica, pelos diversos grupos armados que assombram as colinas do leste da República do Congo.
O envio de mais tropas só piorou o problema. Forcas de paz da ONU não puderam combater esse mal. Funcionaria uma reforma militar no país? E a criação de um estado congolense? Funcionaria a pressão para regular os chamados conflitos minerais para cortar a renda dos rebeldes?
Eve Ensler, autora de "Monólogos da Vagina", ao centro, dança com mulheres condolesas durante a inauguração da City of Joy, em Bukavu (Foto: Todd Heisler/The New York Times)Eve Ensler, autora de "Monólogos da Vagina", ao centro, dança com mulheres condolesas durante a inauguração da Cidade da Alegria, em Bukavu (Foto: Todd Heisler/The New York Times)
Para Ensler, dramaturga feminista e autora de “Monólogos da Vagina”, que já trabalhou de perto com mulheres congolenses, a resposta é simples. “Construir um exército de mulheres”, ela disse. “E, quando houver mulheres suficientes no poder, elas tomam o governo e adotam decisões diferentes. Você vai ver. Elas vão dizer que não aceitam mais a situação e irão rapidamente por um fim no problema dos estupros”.
Recentemente, Ensler tomou o primeiro passo para a construção deste exército: a abertura de uma base aqui em Bukavu, chamada de Cidade da Alegria.
No novo conjunto de casas de tijolo, amplas salas de aula, pátios e varandas funcionará um campus onde pequenos grupos de mulheres congolenses, a maioria delas vítima de estupro, serão preparados para se tornarem líderes em suas comunidades, para que possam emergir, como Ensler espera, e mudar a dura política do país. As mulheres terão aulas de auto-defesa, informática e direitos humanos; aprenderão sobre negócios e agricultura; tentarão exorcizar seus traumas com sessões de terapia e dança; e voltarão a suas vilas de origem para dar poder a outras mulheres.
O centro, construído em parte pelas mãos das próprias mulheres, custa cerca de US$ 1 milhão. A Unicef contribuiu com uma quantia substancial, e o resto foi arrecadado de fundações e doadores privados pelo grupo de defesa de Ensler, o V-Day. O Google doou um centro de informática.
É uma ideia corajosa essa de investir tão fortemente num pequeno grupo de mulheres, muitas analfabetas _ cerca de 180 recrutas de liderança por ano _ na esperança de que elas catalisem uma mudança social.
Mas Ensler já enfrentou outros obstáculos antes, incentivando vítimas de estupro no Afeganistão, Bósnia e outras zonas de guerra a falar e se tornar líderes.
“Esse pode ser um ponto de virada”, disse Stephen Lewis, antigo funcionário da Unicef cuja fundação particular está ajudando a Cidade da Alegria. “Tem havido uma crescente preocupação internacional sobre o que está acontecendo no Congo, mas até agora isso não corresponde a nada concreto. Talvez este seja o momento em que as mulheres podem mostrar que são capazes de reverter a situação”.
O leste do Congo é um dos lugares mais pobres e disfuncionais do mundo, mas também é um dos mais bonitos: uma terra de montanhas verdes e lagos cristalinos. O lugar tem muitas riquezas: ouro, diamante, madeira, cobre, estanho. Embora as pessoas daqui, especialmente as mulheres, tenham sido brutalmente abusadas por anos e anos _ algumas tiveram rifles de assalto inseridos pela vagina, outras foram violentadas com pedaços de madeira, ficando incontinentes e estéreis para sempre _, seus espíritos não foram abatidos.
Recentemente, quando a Cidade da Alegria foi oficialmente aberta, centenas de mulheres, a maioria vítimas de estupro, tocaram tambores e cantaram fortemente. Elas usavam camisetas pretas que diziam “Parem de estuprar nosso recurso mais precioso”. Parecia que o exército feminino vislumbrado por Ensler se concretizava diante dos seus olhos. Algumas até dançaram com pás e trolhas cheias de cimento, usadas na construção da Cidade da Alegria.
Eve Ensler com Christine Schuler Deschryver, diretora da Cidade da Alegria, durante a inauguração do projeto, no Congo (Foto: Todd Heisler/The New York Times)Eve Ensler com Christine Schuler Deschryver, diretora da Cidade da Alegria, durante a inauguração do projeto, no Congo (Foto: Todd Heisler/The New York Times)
Foi um momento animado, raro no país. O legado de brutalidade e exploração remete à década de 1880, quando o Rei Leopoldo II da Bélgica reivindicou o Congo como colônia e basicamente escravizou a população para obter marfim e borracha.
Em meados da década de 1990, o país afundou ainda mais quando explodiu uma guerra civil e os países vizinhos vieram participar, armando este ou aquele grupo rebelde para poder obter esta ou aquela mina de ouro ou diamante. Milhões de pessoas morreram. Embora os outros exércitos africanos tenham se retirado, muitos grupos rebeldes jamais se dispersaram, explorando o fato de que o Congo é incrivelmente grande _ e o estado, incrivelmente fraco.
Esses grupos armados vêm expressando sua ira contra as mulheres. O estupro sádico _ incluindo de homens e garotos _ se tornou uma característica especial da violência aqui; por vezes, para aterrorizar civil, outras vezes sem propósito estratégico aparente. Em praticamente qualquer vila há casos de inúmeras mulheres que foram brutalizadas.
Em janeiro, na cidade de Fizi, dezenas de mulheres foram estupradas por soldados do exército congolense. Autoridades adotaram a medida pouco comum de prender alguns dos envolvidos, incluindo um coronel, mas poucas pessoas realmente acreditam que isso fará alguma diferença. A ONU possui uma grande operação de manutenção de paz no Congo, mas até vilas próximas das bases da força de paz foram atingidas.
O governo, que pouco faz para combater o problema, enviou uma delegação de alto nível para a abertura da Cidade da Alegria. Enquanto chegavam as autoridades, centenas de crianças faziam fila na rua, com os dedos dos pés chapinhando na lama. Policiais fizeram patrulha com rifles enferrujados e capacetes desajustados. Mantenedores de paz do Paquistão estavam de pé nos jipes, com o dedo no gatilho.
Ensler teve a ideia do centro há cerca de três anos, depois de saber de que mulheres congolenses que elas queriam um lugar seguro onde poderiam se qualificar. Embora algumas ex-alunas do centro voltem a suas vilas, outras transmitirão a missão de várias formas.
“Não quero voltar para minha vila e ser estuprada de novo”, disse Jane Mukoninwa, que foi violentada por um grupo de homens duas vezes. Ela é da primeira turma de recrutas de liderança. “Quero aprender a ler e escrever, para ficar em Bukavu”.
Ela acrescentou: “Tenho raiva. Se eu aprender algumas coisas, posso defender a causa”.
Depois da abertura da Cidade da Alegria, as mulheres deram a Ensler uma espirituosa despedida. Elas surpreenderam com um presente que compraram, uma madeira entalhada na forma de uma mãe com o filho; também dançaram ao redor de Ensler.
Elas cantaram: “Por que você nos aceitou? Nunca vamos abandonar você”. Ensler enxugou lágrimas dos olhos.
Fonte: G1

2 comentários:

Monique disse...

Interessante. Para haver igualdade entre homens e mulheres é preciso reconhecer que há uma dívida enorme para ser resgatada. No caso das mulheres do Congo não é nem uma questão social, mas de sobrevivência.

A gente quer mudança disse...

Muito bom o seu comentário Monique. Há uma dívida história, inclusive na Igreja, que é um dos últimos castelos do preconceito de gênero.