segunda-feira, 30 de maio de 2011

"De sua boca ouvimos, de sua boca aprendemos."

Conheço um homem….

26/05/2011
por Leonardo Boff
Esbelto, de figura elegante, sempre fumando seu palheiro, ele foi um desbravador. Quando os colonos italianos não tinham mais terras para cultivar na Serra Gaúcha, eles, em grupo, emigraram para o interior de Santa Catarina, para as terras de Concórdia, notória por ser a sede das mais conhecidas empresas de carnes do pais, a Sadia e a Perdigão. Não havia nada, exceto alguns caboclos, sobreviventes da guerra do Contestado e grupos de indígenas kaigan. Reinavam os pinheirais, soberbos, a perder de vista.
Os colonos italianos vieram, organizados em caravanas, trazendo seu professor, seu puxador de reza e uma imensa vontade de trabalhar e de fazer a vida a partir do nada. Ele estudara vários anos com os jesuitas de São Leopoldo e acumulara vasto saber humanístico. Sabia latim e grego e lia em linguas estrangeiras. Viera para animar a vida daquela povera gente. Era mestre-escola, figura de referência e respeitadíssimo. Dava aulas de manhã e de tarde. À noite ensinava português para colonos que só falavam em casa italiano e alemão. Ao lado disso, abriu uma escolinha com os mais inteligentes para formá-los como guarda-livros para fazer a contabilidade das bodegas e vendas da região.
Como os adultos tinham especial dificuldade em aprender, usou um método criativo. Fez-se representante de uma distribuidora de rádios. Obrigava cada família a ter um rádio em casa e assim aprender o “brasilian” ouvindo programas em português. Montava cataventos e pequenos dínamos onde havia uma cascata para que pudessem recarregar as baterias. Como mestre-escola era um Paulo Freire avant la lettre. Conseguiu montar uma biblioteca de dois mil livros. Obrigava cada familia a levar um livro para casa, lê-lo e no domingo, depois da reza do terço em latim, formava-se uma roda onde cada um contava em português o que havia lido e entendido. Nós, pequenos, ríamos, a mais não poder, pelo português ruim que falavam.
Não ensinava apenas o básico, mas tudo o que um colono devia saber: como medir terras, como devia ser o telhado do paiol, como tirar os juros, como cuidar da mata ciliar e tratar os terrenos com grande declive. Introduzia-nos nos rudimentos de filologia, ensinando-nos as palavras latinas e gregas. Nós pequenos, sentados atrás do fogão por causa do frio gélido, devíamos recitar todo o alfabeto grego, alpha, beta, gama, delta, teta…E mais tarde no colégio, nos enchíamos de orgulho ao mostrar aos outros e até aos professores donde vinham as palavras. Aos onze filhos incitava-os à muita leitura. Eu decorava frases de Hegel e de Darwin, sem entendê-las, para dar a impressão que tinha mais cultura que os outros.
Mas era um mestra-escola no sentido pleno da palavra porque não se restringia às quatro paredes. Saía com os alunos para contemplar a natureza, explicar-lhes os nomes das plantas, a importância das águas e das árvores frutíferas. Naqueles interiores distantes de tudo, funcionava como farmacêutico. Salvou dezenas de vidas usando a piniscilina sempre que chamado, não raro, tarde da noite. Estudava em livros técnicos os sintomas das doenças e como tratá-las.
Naqueles fundos ignotos de nosso pais, havia uma pessoa angustiada por problemas políticos e metafísicos. Criou até uma pequena roda de amigos que gostavam de discutir “coisas sérias” mas mais que tudo para ouvi-lo. Sem interlocutores, lia os clássicos do pensamento como Spinoza, Hegel, Darwin, Ortega y Gasset. Passava longas horas à noite colado ao rádio para escutar programas estrangeiros e se informar do andamento da segunda guerra mundial.
Era crítico à Igreja dos padres porque estes não respeitavam os vizinhos, todos protestantes alemães, condenados já ao fogo do inferno por não serem católicos. Opunha-se com dureza àqueles que discriminavam os “negriti” e os “spuzzetti”(os que cheiravam mal). A nós, filhos, obrigava-nos a sentar na escola sempre ao lado deles para aprender a respeitá-los e a conviver com os diferentes.
Sua piedade era interiorizada. Passou-nos um sentido espiritual e ético de vida: ser sempre honesto, nunca enganar e confiar irrestritamente na Providência divina. Para que seus onze filhos pudessem estudar e chegar à universidade vendia, aos pedaços, todas as terras que tinha ou herdara. No fim, vendeu até a própria casa. Sua alegria era sem limites quando vínhamos de férias pois assim podia discutir horas e horas conosco. E nos batia a todos.
Morreu jovem, com 54 anos, extenuado de tanto trabalho e de serviço em função de todos. Sabiaa que ia morrer. Sonhava conversar com Platão, discutir com Santo Agostinho e estar entre os sábios. Na mesma hora e no mesmo dia em que embarquei no navio para estudar na Europa seu coração deixou de bater. Vim saber somente um mes depois, quando cheguei em Munique. Os irmãos e as irmãs piedosamente inscreveram seu lema de vida na sua tumba:”De sua boca ouvimos, de sua vida aprendemos: quem não vive para servir não serve para viver”.
No dia 25 de maio de 2011 ele completaria cem anos. Este mestre-escola sábio e interiorano era Mansueto Boff, meu querido e saudoso pai.

Um vídeo profundamente comovente, delas é o reino

Notícias gerais para os mais mudados do mundo

Olá.

Postamos vídeos no FACEBOOK importantes para a caminhada dos que querem mudança.

A covardia de um professor iraniano com alunos indefesos e desesperados e um chamado à responsabilidade em relação às crianças.

Assistam na página do grupo "a gente quer mudança" ou no face do Luciano Oliveira ou da  Monique.

Se concordarem que algo tem que ser feito, faça o mínimo, divulgue.

Na sexta-feira próxima teremos nossa célula (ou pelada, nome provisório), prá quem quer mudança; participe, vai ser na casa da Dani, às 19h30, ou com quem chegar primeiro.

Dentre outros assuntos mil, participaremos de um debate para escolher um nome para célula, moderno, cabeça, atraente, sedutor, carinhoso, marcante, enfim, que tenha  a nossa cara.

Abração.

sábado, 28 de maio de 2011

Mudanças também se fazem com homens (e mulheres) e livros

Copiei o texto abaixo de um blog de leitura que identifico no final.

10 dicas para você ler mais.

Gosto muito de ler mas um dia descobri que nunca iria conseguir ler tudo o que me interessa. Instintivamente acabei desenvolvendo algumas técnicas para me ajudar a ler mais livros por ano. São dicas simples que podem lhe ajudar a aumentar o seu número de livros lidos e também despertar o seu interesse pela leitura, caso ele não seja tão desenvolvido.
1. Mantenha um Controle Sobre Seus Livros Lidos
Quem não controla não sabe para onde está indo. Quantos livros você leu no último ano? E no ano anterior? E em 2001? Como você vai querer aumentar a quantidade de livros lidos se nem ao menos sabe quantos livros está lendo por ano?
Pois é, eu fiz esta mesma pergunta a alguns anos atrás e não sabia a resposta. Por isso implementei um controle simples no meu próprio site. Assim sei a quantidade de livros que li por ano e também que livro li em qual época. Neste controle também incluo uma pequena resenha do livro e uma nota, de 1 a 5 estrelas, para ter uma idéia de qual foi o melhor livro que li em cada ano. Por estar disponível na Internet, o meu controle também ajuda outras pessoas que querem sugestões de livros para ler.
2. Intercale Leituras
Troque o gênero do livro a cada nova leitura. Se você acabou de ler um livro de ficção procure ler em seguida um de não-ficção. Se leu um livro de auto-ajuda, leia agora um relato de aventura. Leu um livro grosso e levou mais de um mês? Agora leia um livro fininho num final de semana.
O importante aqui é manter o seu interesse sempre em alta. Quando você se dedica somente a um assunto chega uma hora em que o seu nível de interesse cai drasticamente. Intercalando o tipo de leitura, o tamanho do livro e o seu gênero o fôlego continua sempre forte e o interesse não decai.
3. Troque Dicas de Leitura
Nada melhor do que uma boa dica para você descobrir um livro maravilhoso. E que tal 30 ótimas dicas de leitura? Aproveite seus amigos e conhecidos e garimpe dicas sobre livros que podem te interessar. Só cuidado com os gostos pessoais de cada um. É comum alguém amar um livro enquanto que o outro odeia o mesmo título. Veja se o seu gosto bate com o gosto da pessoa que indicou comparando livros que vocês dois já leram. Garimpe também na Internet e em grupos de discussão ou até mesmo nos sites das livrarias. O que importa aqui é ter várias recomendações. Depois é só usar o seu bom senso e ir atrás do livro que mais lhe interessar.
4. Leia de Forma Paralela
Eu leio diversos livros ao mesmo tempo. As razões são várias: desde a troca de um livro que está em uma parte chata por outro mais emocionante até a compra de um novo. A idéia é ler sempre, constantemente, mesmo que você vá deixando livros pela metade. Opa, mas nada de deixá-lo pela metade indefinidamente. Você tem que ter um prazo para acabar de ler o livro iniciado.
No meu caso eu começo a ler vários livros ao mesmo tempo e só começo a me preocupar em terminá-los quando inicia o mês de novembro. Desta maneira sei que tenho ainda dois meses pela frente até o final do ano. Desta maneira não inicio livros novos e termino os antigos. Em resumo, abra muitas frentes, mas não se esqueça de fechá-las antes de apagarem a luz.
5. Leia em Mídias Diferentes
Quem disse que livro é só aquela coisa de papel que pega poeira na sua estante? Hoje em dia existem várias opções de leitura que podem otimizar o seu tempo, gerando um número maior de livros lidos no ano. Um hábito que criei a alguns anos é escutar livros no carro ou no meu mp3player. Este tipo de livro de audio (audiobook) não é muito difundido no Brasil, mas é largamente utilizado em outros países, como os Estados Unidos e a Europa. Se você lê/ouve inglês tem uma avalanche de títulos disponíveis. A grande vantagem é otimizar o seu tempo, além de melhorar a sua fluência na língua estrangeira. Que coisa melhor você pode fazer quando se desloca para o trabalho ou está preso em um engarrafamento?
Outra opção são os PDA, tipo Palm. Com as novas telas de alto contraste é possível ler livros inteiros nas pequeninas telinhas dos computadores de mão, sem falar na novidade da Sony, o Sony Reader.
E não se esqueça dos gibis. Existem ótimas graphic novels que são verdadeiros livros.
6. Leia Sempre e de Forma Constante
Aqui vale a máxima da história da lebre e da tartaruga: mais vale ler devagar e sempre do que rápido parando várias vezes pelo caminho. Estipule uma meta e tente cumpri-la. Leia uma página por dia e terá lido um livro de 300 páginas num ano; leia 10 páginas por dia e em um ano terá lido 18 livros de 200 páginas. Lembre-se: devagar e sempre.
7. Leia Livros do Seu Interesse
Parece idiotice falar isso, mas quanto mais você ler livro que te interessam, maior será o seu prazer na leitura e mais livros lerá por causa disso. Sim, é verdade. Tem muita gente que tenta ler livros que não gosta e por isso demora tanto tempo para acabá-los. Siga meu conselho. Se você chegou a um terço do livro e não está gostando do conteúdo, largue-o e comece outro. É melhor ficar vermelho uma vez do que amarelo para sempre.
Gosta de aviação? Então leia livros de aviões ou de guerra. É fanático por sexo? Existem ótimos livros de ação recheados de sexo. Gosta de bandas de rock? Leia as biografias dos monstros sagrados como o Led Zeppelin.
8. Abuse do Livro
Os puritanos que me perdoem, mas livro é para ser usado, dobrado e rabiscado. Eu já tratei os livros como entidades supremas, intocadas, mas aprendi que se ganha muito mais quando ele é usado realmente. Faça anotações, risque e rabisque. Se você não anotar vai esquecer rapidamente aquela passagem super interessante ou a dica especial dada pelo autor. Quer ter um livro intacto? Então compre outro para deixar na estante. Os R$20 ou R$30 a mais que você vai gastar vão valer centenas de vezes a mais com informações que você pode acessar de forma rápida, ao invés de folhear centenas de páginas atrás do que procura.
9. Leia em Vários Lugares
Recomendo que tenha sempre um livro à mão. Nunca se sabe quando você poderá ficar parado no trânsito, numa fila ou em qualquer outro lugar que não te permita fazer outra coisa. E isso inclui o banheiro ou os 5 minutos do intervalo de um programa de TV que você está assistindo. Falando nisso, veja menos televisão. Você vai ver que sua vida vai melhorar muito! :-)
Leia andando na rua e na espera do estacionamento. Leia enquanto dirige o seu carro! Esta dica é efetiva mas meio perigosa, por isso vou fazer um post exclusivo para ela. :-)
Mesmo que possa ler somente um parágrafo nestes intervalos, já vale a pena. A soma destas pequenas leituras em um ano podem ser um livro a mais no seu total. Use um marcador que facilite a sua rápida localização no texto. Eu normalmente coloco o marcador na linha onde parei, o que ajuda a achar rapidamente o ponto de continuação.
10. Vire Rato de Livraria
Eu tenho um imã interno que me puxa com uma força descomunal quando estou passando perto de uma livraria ou banca de revistas. Mesmo com pouco tempo disponível dou uma olhada geral para ver o que está disponível. Na maioria das vezes não compro nada, mas isso me mantém atualizado com o que há de novo no mercado, além de trazer gratas surpresas. Vários livros que considero excelentes encontrei com a peregrinação nas livrarias.
Conclusão
Então, está preparado? Comece hoje mesmo! Pegue aquele livro que está parado na sua estante e leia pelo menos 10 páginas. Deixe outro livro no carro e um pequeno na sua bolsa. Depois volte aqui e compartilhe as suas experiências.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

"Cada nova descoberta me leva para mais perto de mim, do meu próximo e de Deus"

Minha carta aberta
Ricardo Gondim


Minhas coragens não tão corajosas
Tornei-me alvo de todos os crivos. Depois de devidamente rotulado, sinto-me dissecado, espiritual, moral e psicanaliticamente. Pessoas que não me veem há décadas, se sentem com liberdade de diagnosticar o que “vem acontecendo com o Gondim”. Não há como negar que me sinto incômodo com achômetros.
Faltam-me argumentos. Como explicar que não perdi a fé, que não apostatei, que não estou na ladeira do inferno e que não sou um Belzebu? Diante de juízos subjetivos, melhor calar. Não vale sequer lembrar que a tarefa de separar trigo e joio, sempre delicada, Deus reservou aos anjos e, ainda assim, para o fim dos tempos. Como justificar-me diante da presunção de que não há outro caminho para a espiritualidade que não seja o pacotão doutrinário, que os evangélicos se consideram legítimos guardiões?
Um rapaz de apenas 24 anos mandou-me uma mensagem insolente, mal educada. Notei que ele era apenas dois anos mais velho que o Pedro, meu filho. A princípio, meu estômago embrulhou; depois, uma leve taquicardia fez meu coração perder o ritmo. Logo, porém, pensei no futuro do jovem. Onde ele estará com a minha idade? Acalmei. E supliquei a Deus por sua alma.
Os dias são bicudos. Mas não vou fragilizar-me diante de algozes, ainda noviços na arte de difamar e enxovalhar. Não darei o privilégio de verem as lágrimas que derramo por escolher um caminho acidentado. Meus soluços, conhecem Deus, meu travesseiro e minha mulher. Permanecerei altivo em minhas colocações. Não, não me considero uma encarnação de Quixote. Minha altivez esconde o homem claudicante, fraco mesmo. Mas, à minha fraqueza, fiquem certos senhores e senhoras da reta doutrina, vocês nunca terão o privilégio de acessar.
Estou consciente de que devo explicações. Entretanto, antes de explicar-me, acredito que eu tenho que dar satisfações. Mas, dar satisfações a quem? Primeiro, à minha própria consciência. Devo trancar a porta do banheiro e, sozinho, olhar o que me espreita de dentro do espelho, e perguntar: “Aonde você quer chegar, cara?”. Beirando os 60, eu deveria já preparar-me para uma aposentadoria tranquila (eu sei que alguns torcem por isso). "Por que o risco de posicionar-se no que só traz prejuízo pessoal? Por que deixar as costas à mercê de quem maneja bem os punhais?". Respondo ao velhote que mira os meus olhos de dentro do espelho: “Faço o que faço pelo simples fato de querer ser coerente e honesto comigo mesmo e com Deus, que ergueu um tabernáculo em meu coração”.
Sei que é inútil o que vou dizer. Mesmo assim digo: Não desejo holofotes; eu já os tive. Não surfo no oportunismo midiático, em busca dos prosaicos quinze minutos de fama; eu sei azeitar um discurso pequeno-burguês e ganhar o favor de quem patrocina aventuras caríssimas na televisão. Conheço bem os truques do peleguismo religioso. Caminho nos corredores, sacristias e bastidores do meio desde a adolescência.  Só que não consigo mais respirar esse ar viciado.
Por que falar em direitos civis de homossexuais? Pelo simples fato lembrar-me de Niemöller, o pastor luterano que bem expressou a passividade de sua geração quando a justiça foi pisoteada pelos nazistas: "Quando vieram atrás dos judeus, calei-me, pois não era um deles; quando vieram prender os comunistas, silenciei, eis que não era comunista; quando vieram em busca dos sindicalistas, calei-me, pois eu não era sindicalista; depois, vieram me prender, não havia mais ninguém para protestar e ninguém disse nada".
Não levanto a bandeira homossexual. Ela não é minha, eu não sou homossexual. Levando o estandarte do direito. Ele diz respeito não só aos homossexuais, mas aos religiosos, aos ateus, aos ciganos, aos deficientes. Quando a lei protege um segmento da sociedade, acaba por alcançar os que não fazem parte daquele segmento. Por que insisto em fazê-lo? Porque acredito que Jesus, o meu senhor e salvador, o faria.
Sim, concordo, tenho que dar explicações. Mas a quem? Devo explicações aos que acompanham as mudanças milimétricas que venho fazendo ao longo dos anos; pessoas que entendem as articulações que brotam de meus neurônios racionais e de minhas entranhas espirituais. Tenho certeza que elas se surpreenderiam se eu respondesse qualquer coisa diferente do que veio na entrevista. Prego todos os domingos e disponibilizo as mensagens na www.tvbetesda.com.br . Escrevo em um site/blogwww.ricardogondim.com.br . Publiquei diversos livros. Meus pensamentos estão espalhados por aí. Meus parceiros não se assustaram com nada do que eu disse à Carta Capital. Pelo contrário, celebraram a oportunidade que tivemos de comunicar os valores do reino para outros que não fazem parte do movimento evangélico.
Por último, um hábil escritor sugeriu que eu estou em crise de fé. Eu sei que ele confunde fé com a aceitação da doutrina calvinista. Devo responder-lhe que tomo sua insinuação como insulto, mero xingamento.  Reconheço, igualmente, que os rótulos de estar alinhando ao teísmo aberto, de ser liberal, humanista, ateu, para mim, não passam de simplificações de quem desejava calar-me. Alguns intuíram que seus discursos já não se sustentam diante da realidade concreta das pessoas, por isso, buscam desqualificar-me. Deixo claro: não retrocederei, mesmo xingado. Não há como voltar; puxei um novelo de significados e sentidos e estou fascinado com os fios. Cada nova descoberta me leva para mais perto de mim, do meu próximo e de Deus. Agora vou até o fim.
Ricardo Gondim
Soli Deo Gloria

"Meu único desejo é contribuir com a humanização."

Como é difícil pensar fora da caixa
Ricardo Gondim


Os mais idosos ganham certos direitos com a idade. Não precisam esperar em filas, têm desconto nas bilheterias dos teatros e, no Brasil, não pagam passagem de ônibus.Envelhecer tem outras vantagens menos óbvias. Os mais experientes ganham o privilégio, por exemplo, de se zangarem. Permitimos que reclamem dos barulhos inconvenientes, de casa mal arrumada e de outros detalhes que chateiam. 
Estou longe de tornar-me um velho, mas já reivindico pelo menos um privilégio: quero o direito de me aborrecer com pessoas preguiçosas para pensar. Descobri também um horror: o universo dos indolentes mentais é muito maior do que jamais imaginei. Dou exemplo. Um aluno de teologia visitou meu site e mandou a seguinte mensagem:
“Ricardo, meu professor advertiu-me que você vem escrevendo muitas heresias e que eu devo fugir de sua influência perniciosa. O que você tem a me dizer? É verdade”? 
Confesso que meu sangue cearense, “cabra da peste”, ferveu. Tive vontade de jogar qualquer escrúpulo às favas, vestir o uniforme de idoso, e responder ao noviço: “Senhor bobão, você acabou de acessar um site com centenas de textos que escrevi nos últimos quatro ou cinco anos. Por que não se dar ao trabalho de ler e tirar, por você mesmo, algumas conclusões?”. 
Imaginei que feriria a sensível piedade do jovem. Apaguei a mensagem, contei até dez e não respondi nada. Mas fiquei remoendo, com vontade de escrever uma única frase: “Realmente, não parece justo que haja tanto empecilho para a liberdade e que seja tão fácil aceitar cabrestos”. 
Pensar não é difícil. Pode ser perigoso, mas não é complicado; pode ser trabalhoso, mas não é proibido.
Prefiro correr o risco de me expor às ameaças de um grupo que me rotula como herege peçonhento a ser encabrestado por um mestre obtuso e preconceituoso. É muito mais digno ter opinião própria do que regurgitar preconceitos mal digeridos por alguém.
A religião tenta preservar-se. Para isso, cria “guantánamos”. Os “Galileus”, que ousam afirmar suas constatações, são odiados por sacerdotes até que se retratem.
Quando alguém se arrisca e pisa fora do quadrado, é caçado, como João Huss que não se conformou com as viseiras farisaicas que lhe foram dadas. Alguns, como Martin Luther King, que não se curvou ao status quo, precisam sumir. 
A religião de certezas não tolera uma espiritualidade que aceite quaisquer incertezas. O fariseu precisa de sistemas herméticos para que sua opinião permaneça. Na base da certeza religiosa está a escassez de diálogo. Merecem castigo os que se abrirem à  verdade que não consta nos autos de fé. Diante do dogmatismo, quem se atreve a pedir explicações ganha o exílio. 
A elite eclesiástica rotula de apóstata quem tenta olhar por cima das cercas dadas. Ela acha danoso ver se há vida fora do seu pequeno catecismo. Ao religioso não interessa defender o livre pensar. Melhor criar um ambiente de ojeriza aos “rebeldes” para que se duvide o que eles afirmam antes de mesmo de ser dito. 
Lamentavalmente, o problema não vem só do censor. Nem todos gostam da liberdade, alguns preferem a canga, o jugo do espírito de manada; cabisbaixos, obedecem, odeiam, rejeitam, sem questionar. 
Há momentos em que as prerrogativas do velho me dão vontade de gritar: “Pense, amigo. Por favor, pense!". Outras vezes fico piedoso e quero, de joelhos, implorar: “Meu irmão, leia; busque adquirir a maior riqueza que alguém pode possuir: o bom senso”.
Acho que já tenho idade de confessar nervosismo com gente que se deixou massificar pelo ambiente religioso. Aprendi na internet o hashtag #faleiepronto; então, vai lá o meu: "Não suporto mais conversar com pessoas que se contentam em repetir jargões e não têm coragem de assumir todas as consequências do que acabaram de dizer".
Mesmo que fique cada dia mais complicado ler mensagens iguais às que recebi do jovem seminarista, estou decidido: vou continuar. Repartirei ideias, percepções e sentimentos que me são caros. Meu único desejo é contribuir com nossa humanização.
E que Deus me ajude!
Soli Deo Gloria27-04-11

terça-feira, 24 de maio de 2011

Intolerância Medieval


Como nos tempos da Inquisição


Entrevista com o pr Ricardo Gondim

Texto de Rodrigo Martins publicado originalmente no site da CartaCapital

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Após defender o Estado laico e o reconhecimento jurídico da união homoafetiva em entrevista a CartaCapital no fim de abril (clique aqui para ler), o pastor Ricardo Gondim, líder da Igreja Betesda e mestre em teologia pela Universidade Metodista, virou alvo de ferrenhos ataques de grupos evangélicos na internet. Um fiel chegou a dizer, pelo Twitter, que se pudesse “arrancaria a cabeça” do pastor herege. “É como se vivêssemos nos tempos da Inquisição”, comenta Gondim, que já previa uma reação de setores do mainstream evangélico, os movimentos neopentecostais com forte apelo midiático. Surpreendeu-se, no entanto, ao ser informado que, graças às declarações feitas à revista, não poderia mais escrever para uma publicação evangélica na qual é colunista há 20 anos.
“Fui devidamente alertado pelo reverendo Elben Lenz Cesar de que meus posicionamentos expostos para a CartaCapital trariam ainda maior tensão para a revista Ultimato”, escreveu Gondim em seu site pessoal, na sexta-feira 20. “Respeito o corpo editorial da Ultimato por não se sentir confortável com a minha posição sobre os direitos civis dos homossexuais. Todavia, reafirmo minhas palavras: em um Estado laico, a lei não pode marginalizar, excluir ou distinguir como devassos, promíscuos ou pecadores, homens e mulheres que se declaram homoafetivos e buscam constituir relacionamentos estáveis. Minhas convicções teológicas ou pessoais não podem intervir no ordenamento das leis.”
Por telefone, o pastor explicou as razões expostas pela revista evangélica para “descontinuar” a sua coluna, falou sobre as ofensas que sofreu na internet e não demonstrou arrependimento por ter falado à CartaCapital em abril. “A entrevista foi excelente para distinguir algumas coisas. Nem todos os evangélicos pensam como esses grupos midiáticos que confundem preceitos religiosos com ordenamento jurídico e querem impor sua vontade a todos.”
CartaCapital: Qual foi a justificativa dada pela revista Ultimato para descontinuar a sua coluna na publicação?
Ricardo Gondim: Eu escrevi para a Ultimato por 20 anos. Trata-se de uma publicação evangélica bimensal, na qual eu tinha total liberdade para escrever sobre o que quisesse. Não falava apenas da doutrina, mas de muitos assuntos relacionados ao cotidiano evangélico. E nunca sofri qualquer tipo de censura. Mas, agora, eles entenderam que as minhas declarações a CartaCapital eram incompatíveis com o que a Ultimato defende e expuseram três argumentos para justificar a decisão. Eu não concordo com essas teses e, para dar uma satisfação aos leitores, publiquei uma carta de despedida no meu site (www.ricardogondim.com.br).
CC: A defesa dos direitos civis de homossexuais foi um dos aspectos criticados pelo corpo editorial da revista?
RG: Sim. Eles entendem que o apoio à união civil de homossexuais abriria um precedente dentro das igrejas evangélicas para a legitimação do ato em si, a homossexualidade. Tentei explicar que uma coisa é teologia, outra é o ordenamento das leis. Num Estado é laico, não podemos impor preceitos religiosos à toda a sociedade. Uma coisa não transborda para a outra. Dei como exemplo o fato de a Igreja católica viver muito bem em países que reconhecem juridicamente o divórcio, embora ela condene a prática e se recuse a casar pessoas divorciadas. Eu não fiz uma defesa da homossexualidade, e sim dos direitos dos homossexuais. O direito deve premiar a todos. Num Estado democrático, até mesmo os assassinos têm direitos. Não é porque eles cometeram um crime que possam ser torturados ou agredidos, por exemplo. As igrejas podem ter uma posição contrária à homossexualidade, mas não podem confundir seus preceitos com o ordenamento jurídico do país ou tentar impor sua vontade. Muitos disseram que o Supremo Tribunal Federal tripudiou sobre as igrejas evangélicas ao reconhecer a união estável homoafetiva. Nada disso, o STF estava apenas garantindo os direitos de um segmento da sociedade. Essa é sua função.

CC: Quais foram os outros aspectos criticados?
RG: Eles também criticaram uma passagem da entrevista na qual eu contesto a visão de um Deus títere, controlador da história e da liberdade humana, como se tudo que acontecesse de bom ou ruim fosse por vontade divina e ou tivesse algum significado maior. E apresentaram um argumento risível: o de que a minha tese coloca em xeque a ideia de um Deus soberano. Claro que sim! Deus soberano é uma visão construída na Idade Média, e serviu muito aos interesses de nobres e pessoas do clero que, para justificar seu poder, se colocavam como representantes da vontade divina na terra. Só que essa visão é incompatível com o mundo de hoje. O Estado é laico. As pessoas guiam os seus destinos. Deus não pode ser culpado por uma guerra, por exemplo. Não vejo nisso nenhuma expressão da vontade divina, nem como punição.

CC: O fato de o senhor ter criticado a expansão do movimento evangélico no País também foi destacada?
RG: Sim. Eu fiz um contraponto à tese de que o Brasil ficará melhor com o crescimento da comunidade evangélica. Não acho que é bem assim. Critica-se muito a Europa pelo fato de as igrejas de lá estarem vazias, mas eu não vejo isso como um sinal de decadência. Ao contrário, igreja vazia pode ser sinal do cumprimento de preceitos do protestantismo se os cidadãos estão mais engajados com suas comunidades, dedicados às suas famílias, preocupados com os direitos humanos, vivendo os preceitos do cristianismo no cotidiano. Eu critico essa visão infantilizadora da vida, na qual um evangélico precisa da igreja para tudo e Deus é responsável por tudo o que acontece.

CC: O senhor se arrepende de ter concedido aquela entrevista à CartaCapital?
RG: De maneira alguma. O repórter Gerson Freitas Jr. até conversou comigo, preocupado com a reação que as minhas declarações poderia causar na comunidade evangélica. Mas a entrevista foi excelente para distinguir algumas coisas. Nem todos os evangélicos pensam como esses grupos midiáticos que confundem preceitos religiosos com ordenamento jurídico e querem impor sua vontade a todos. Eu já esperava alguma reação, só não sabia que viria com tanta virulência. Um evangélico chegou a dizer, pelo Twitter, que se pudesse arrancaria a minha cabeça. É como se vivêssemos nos tempos da Inquisição. Recebi inúmeros e-mails com ofensas e mensagens de ódio. Não sei precisar quantos, porque fui deletando na medida em que chegavam à caixa postal. Também surgiram centenas de textos me satanizando em blogs, sites e redes sociais.

CC: E entre os fiéis da sua igreja? Houve algum constrangimento?
RG: Alguns, influenciados pelo bafafá na internet, vieram me questionar. Então fiz questão de dar uma satisfação à minha comunidade. Após discursar, acabei aplaudido de pé, fiquei até meio constrangido diante daquela manifestação de apoio.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

"A anti-rosa atômica"


Lição Inesquecível
maio 16, 2011 por  Lyani
Em um raio de dois quilômetros, uma professora chamada Arai, recebeu uma lição inesquecível sobre os efeitos diferenciais de superfícies negras e brancas na absorção da luz. Quando veio o clarão, ela estava sozinha em sua classe, porque havia decidido dar mais alguns minutos para as crianças brincarem no pátio. Arai estava pendurando os melhores exemplos de caligrafia dos alunos em uma janela que dava para o hipocentro. Uma garotinha, executando sua delicada caligrafia em nanquim, tinha pintado o nome de sua professora em uma folha branca de papel-arroz. O clarão foi tão rápido que Arai pensou que uma bomba de quase quinhentos quilos tivesse caído bem ao lado da janela. Seguindo seu treinamento contra bombardeios aéreos, ela se agachou imediatamente para se proteger, esperando somente um ‘rápido desaparecimento’, advindo de uma bomba cheia de dinamite e cargas de fósforo lançada tão perto dela. Ficou perplexa, então, quando a luz diminuiu e o estrondo que esperava não veio pelo que pareceram vários longos segundos. Estava quase levantando a cabeça para dar uma olhada do lado de fora quando a janela explodiu para dentro da classe e milhares de pedaços de vidros voaram sobre suas costas, sem lhe causar dano.
Quando Arai se levantou novamente, ela observou uma grande nuvem vulcânica cheia de vaga-lumes que mudavam de cor: de dourado a violeta e depois para uma tonalidade brilhante de verde, mais deslumbrante que qualquer esmeralda que ela pudesse imaginar. Quando os vaga-lumes desapareceram e uma mosca pousou num corte em seu antebraço, ela tornou-se consciente de duas realidades: as crianças não estavam mais lá fora. Era como se alguma coisa as tivesse silenciosamente removido, deixando pilhas de trapos ardentes em seu lugar. Sua segunda constatação foi a de que seus braços, seu rosto, e tudo o mais que não tivesse sido protegido detrás dos papéis na janela pareciam muito queimados pelo sol.
Em sua mão,  Arai ainda tinha a folha de papel-arroz, mas esta havia se transformado dramaticamente. Os caracteres japoneses, em preto, tinham absorvido a luz, queimando instantaneamente e desaparecido, enquanto o papel branco ao seu redor refletira a luz de volta para onde tinha vindo e sobrevivera mais ou menos intacto. Quando o raio de calor queimou as pinceladas, apenas uma fração do poder da bomba tinha sido usada e começava a desaparecer. Uma fina folha de papel tinha protegido os olhos da professora, salvando-a da cegueira, mas mesmo uma fração já definhante da fúria não consumida da bomba era significante. Sua luz ardeu através das letras que faltavam como um jato de tinta passando por um estêncil. A luz atingiu o rosto de Arai com a força equivalente a um banho de sol de quatro ou cinco dias de verão, marcando permanentemente na pele a caligrafia de uma criança morta. Tudo isso aconteceu antes que Arai pudesse começar a se agachar ─ em quatro décimos de segundo.

Charles Pellegrino in O Ultimo Trem de Hiroshima

domingo, 22 de maio de 2011

O porquê do fundamentalismo

Ricardo Gondim

Ao terminar o culto, notei um rapaz, aparentando não mais que 25 anos, entre os que desejavam conversar comigo. Trajava um terno escuro, gravata sóbria e camisa bem engomada. Era meio-dia. O calor insuportável dava uma sensação de desconforto só em vê-lo apertado sob tantas camadas. Ele queria conversar sobre teologia. A hora era imprópria e havia mais algumas pessoas pedindo atenção. Sugeri que me procurasse durante a semana para um bate-papo mais calmo. Dito e feito. Na quarta-feira à tarde, José Antônio (nome fictício) estava em minha sala, novamente trajado com seu paletó grafite.
Logo nas primeiras frases, ficou claro que ele não fazia perguntas. Pela entonação dos questionamentos, bastava trocar os pontos de interrogação por exclamação e eu era severamente exortado. Vez por outra colocava o dedo em riste e pontificava como se acabasse de levantar da cadeira de Moisés. Tive pena daquele rapaz, tão jovem e tão caduco. Não julgo suas verdades, apenas me inquieto com sua postura rancorosa, anacrônica e trancada ao diálogo.
Os estudiosos deste tempo são unânimes em afirmar que experimentamos o recrudescimento do fundamentalismo. Não trato o fundamentalismo como uma categoria teológica, mas como uma atitude comportamental. O mundo experimenta uma crescente animosidade nas discordâncias.
As pessoas se entrincheiram com seus argumentos, não ouvem o arrazoamento dos outros e, ao se sentirem ameaçadas, partem para algum tipo de violência. O fundamentalismo tem se mostrado exuberante na radicalização ideológica dos Estados Unidos, tanto da esquerda como da direita, no isolamento de facções islâmicas e nos preconceitos entre movimentos cristãos, no xenofobismo europeu e nos nacionalismos africanos.
O fundamentalismo não respeita fronteiras de qualquer espécie — geográficas, cronológicas ou culturais. Um jovem, que ainda não amadureceu sua reflexão, pode ser mais intolerante que um idoso, já bem enraizado em suas convicções. Eu ouvia o José Antônio e pensava: “Este rapaz lê pouco e, quando o faz, nunca terá coragem de aprender com quem não tem a chancela de sua igreja”.
Os fundamentalismos não aceitam contribuição de quem não comunga com os mesmos signos, com os mesmos cacoetes de seu grupo. Os diferentes podem até tentar comunicar alguma verdade, mas serão rechaçados por não serem identificados como “um dos nossos”. Romancistas, músicos, poetas e místicos de outros arraiais estão impedidos de ajudar um fundamentalista a arejar sua mente.
Fundamentalistas desprezam conteúdos e se espantam com rótulos. Aliás, lideranças fundamentalistas adoram xingar com estereótipos. Etiquetam uma pessoa como herege para que seus argumentos fiquem sob judice antes de serem articulados. O pavor de deixar-se contaminar por um apóstata encerra qualquer diálogo.
José Antônio tentava me persuadir de que o futuro da fé cristã jaz no passado. “Temos que voltar”, repetiu várias vezes. Como eu sabia que qualquer iniciativa de estabelecer uma conversa seria frustrada, apenas pensei: “Mas, voltar ao quê?”. A idealização do passado é arma bastante usada por aqueles que enxergam a coragem de pensar fora da caixa como pecado mortal. Veneram teólogos do século 17 como autênticos instrumentos de Deus e consideram os atuais pretensiosos por desejarem articular teologia para sua geração. Mal sabem que muito do que se considera ortodoxo hoje, soou esquisito para alguém do passado.
Depois de quase cinquenta minutos de monólogo, antes que José Antônio tomasse fôlego, consegui dizer que Jesus Cristo foi relativista. Ele relativizou a lei em nome da misericórdia ao perdoar uma mulher apanhada em adultério; relativizou a tradição ao curar no sábado; relativizou sua própria proibição de alcançar os gentios ao atender ao pedido de uma mulher aflita devido à doença da filha. José Antônio arregalou os olhos quando eu disse que Jesus foi um vanguardista. Ele estava à frente do seu tempo quanto à valorização da mulher e o trato com a riqueza.
Minha cartada final, que escandalizou até os fios de cabelo de José Antônio, foi quando eu disse que nem ele nem eu podemos nos arvorar de ter toda a verdade. Jesus afirmou: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8.32). Porém, há pelo menos três verdades para conhecermos, todas inexauríveis: a pessoal, subjetiva, a externa, do mundo, e a de Deus, transcendente. Quem se aventurar a conhecer a si, o mundo que o rodeia e a Deus, deve saber que nunca chegará à sua meta.
Abracei afetuosamente José Antônio quando nos despedimos, mas temi por sua alma. Vi que ele corria o sério risco de perpetuar uma fé amarga, obtusa e, crescentemente, isolada. No escanteio e sem credibilidade, seu cristianismo parecerá com o sal que perdeu seu sabor. Torço para que a geração que me sucederá seja tão assustadoramente revolucionária como foi Jesus de Nazaré.
Soli Deo Gloria
fonte: site do Ricardo Gondim

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Sobre a obscuridade da Igreja brasileira

Rev. Marcelo Carneiro

Não sou de escrever sobre a Igreja. Não por covardia ou omissão, mas por achar que precisamos olhar mais para o mundo do que para dentro. Um sintoma de nossa doença está em ficarmos olhando exclusivamente para dentro, discutindo estruturas, pensando de forma mesquinha em como somos bonitos e estamos crescendo.
Prefiro estudar a Bíblia e falar e pensar sobre os problemas do mundo, os mesmos pelos quais o Evangelho foi pregado por um galileu – Jesus, filho de José - da pequena aldeia de Nazaré, situada a 6 km de uma antiga capital, Séforis, que fez missão de forma obstinada e que, muito mais pelo amor que demonstrou do que pelas curas e milagres que fez, foi reconhecido como o Messias, Filho de Davi, o Salvador, o Príncipe da Paz, o Filho de Deus. Mas pregar sobre Ele dessa forma não dá Ibope, é pregação fraca; evidenciar o amor é coisa de frouxo, num mundo de espertos. Mesmo assim prefiro falar e pensar sobre os problemas do mundo à luz do Evangelho de Jesus, o Cristo.
O problema é que passei os últimos dias lendo e ouvindo palavras arrebatadoras de pastores de alma, e quando olho ao redor, o uivo que ouço dos lobos vestidos de cordeiros e as fanfarronices dos ladrões e salteadores me incomodam bastante. Por isso tenho que falar.
É assim que a Igreja Evangélica está crescendo no Brasil, como uma turba desenfreada, insana, um restolho do bom senso que não aceita o diferente, que alimenta o ódio e desrespeita a todos, menos aos líderes, esses sacrossantos seres que deixaram de ser pastores para se tornarem gerentes, com títulos que vão de Pastor a Pai-apóstolo. São pessoas levadas pela ganância sórdida, sem nenhuma boa vontade (I Pd. 5.2). Como Jeremias profetizou – no sentido correto do termo, em que uma pessoa analisa criticamente, à luz da vontade divina, a realidade que a cerca, e não como adivinhação ou determinação de vontade própria – contra os pastores (Jr. 23) que dispersam as ovelhas, não cuidando delas. Na verdade, ele diz que tais pastores se tornaram estúpidos (Jr. 10.21). Também o profeta Ezequiel afirmou: “profetiza contra os pastores de Israel”.
Questionar essa liderança é rebeldia; pensar é deixar o diabo agir; discordar é estar endemoninhado. Mas, vejam, quanta ironia: não são esses os antiecumênicos, que chamam a Igreja de Roma de Anticristo, Babilônia e tantas coisas mais? Como a chamam assim, se eles agem da mesma forma que a acusam de agir? Agem como se o ministério pastoral fosse sacerdócio sacramental; ignoram a presença leiga na Igreja, por considerar massa de manobra e apenas para suprir as “necessidades” financeiras da Igreja; admitem e incentivam as crendices mais insanas, sob o pretexto de que a libertação precisa de um processo – não no sentido de uma elaboração, de uma reflexão, mas da repetição e da forçosa presença em sete semanas de unção, sem o quê o nome de Jesus – O NOME DE JESUS! – não terá efeito. Falam em salvação pela fé, mas impõem sobre os crentes cargas pesadas de ativismo religioso, condição básica para serem salvas.
Até quando, Senhor, subsistirão tais criaturas? Sei que tenho falhas, mas a mais hedionda de todas é se fazer de superior, trazer para si a glória que pertence somente a Deus, e deixar de lado o serviço, o amor ao próximo – não é amor ao crente, por favor!!! -, a humildade. Temo que estamos gerando o Anticristo, pelo fato de alimentarmos uma atmosfera tão doentia e insalubre – foi uma atmosfera parecida que permitiu a ascensão de Hitler, na Alemanha; as consequências ainda estão presentes hoje.
Essa igreja evangélica brasileira é sui generis: usa a tecnologia da comunicação moderna, mas pensa e age como a Igreja medieval, que acusa de ter saído da direção divina. Não sei se esse texto muda alguma coisa, mas sem dúvida o desabafo me faz bem. Na verdade fiquei pensando se devia ou não lançar esse texto, mas depois escutei a voz do bom senso: se ninguém clamar, as pedras clamarão. E para quem acha que não falei do Metodismo Brasileiro, eu digo: ele não sai de minha cabeça. E infelizmente, acho que já foi contaminado por essa praga que infestou o Brasil.
Graça e Paz. A quem quiser receber.
Notas da Redação – 1) Este texto do Rev. Marcelo Carneiro foi motivado por matéria escrita pelo Rev. Moisés Abdon Coppe, da Igreja Metodista de Bela Aurora (MG). É matéria bem extensa, que você poderá consultar em:
2) O título deste artigo refere-se às igrejas evangélicas em geral e não à Igreja Evangélica Brasileira, um dos ramos do protestantismo brasileiro.

Extraído do Jornal da Vila 1521

Não jogue a toalha


Luciano Oliveira

Na linguagem do futebol, que o brasileiro entende muito bem, a expressão “jogar a toalha” tem a ver com desistência. O técnico, ou o jogador, jogam a toalha para dizer que estão abandonando o time, não vão mais se envolver com o clube, ou seja, não querem mais envolvimento com aquele grupo. O mesmo jargão vale para outros esportes.
Jesus, nos poucos momentos que lhe restava com os seus discípulos, deixa uma exortação, de forma simbólica para todos; dobra-se diante deles e lava os pés de cada um. O lavar dos pés era uma das práticas mais comuns e humilhantes para os escravos naquela sociedade. Inclinado sobre eles, o Mestre demonstra o novo tipo de liderança que eles iriam exercer, diferente dos modelos com os quais estavam familiarizados; entenderam a figura do líder-servo.
Achei interessante quando li em um devocional do Cenáculo, do dia 15/05/2011, que os formandos na Universidade de Sioux Falls, nos EUA, recebem, junto com o diploma, uma toalha, símbolo da vocação para servir dentro das suas respectivas competências; entendem, então, que estão sendo enviados com uma missão.
Jesus foi hábil em quebrar maneiras de pensar e subverter valores da sociedade. Transformar um líder em um servo, foi um conceito novo e absolutamente revolucionário, verdadeira inversão da pirâmide. Os líderes, autoridades romanas ou o clero judaico, eram honrados, respeitados, bajulados e servidos; nesta reviravolta, simbolizada pela toalha para secar os pés, fica claro que no reino de Deus é diferente.
Acho que na modernidade, caracterizada pelo individualismo, as pessoas aprendem que devem crescer para ter o mundo aos seus pés. Mas no reino de Deus é diferente. Que importa ganhar o mundo inteiro e não ter a vida?
Muitos, na Igreja atual, veem a espiritualidade como enfadonha, tediosa, previsível, sem paixão, sem sentido. Alguns preferem isolar-se da Igreja adoecida cheia de hipócritas. Mas no reino de Deus é diferente. Quem serve e se prepara para o outro, quem agarra a sua toalha e não a larga mesmo com a censura de muitos, entendeu o espírito do evangelho; o congregar é razão para testemunhar e agradecer a bondade diária de Deus, é momento de troca de serviços na mutualidade dos dons, e não o reencontro com um Deus ausente e silencioso, que só visita a sua criação aos domingos.
A liturgia do lava-pés é encenada na vida, nas cidades, nos endereços da dor, da doença, da solidão; curvados diante dos nossos próximos contemos histórias, falemos de esperança, seguremos suas mãos e enxuguemos, não seus pés, mas suas lágrimas.
Não jogue sua toalha, não abandone o grupo, mas também, não se limite às suas rotinas; perceba quem é o teu próximo, seja líder e feliz servindo, contrariando todas as expectativas deste mundo. O reino de Deus não é diferente disto.

 lucianorsoliveira@gmail.com

terça-feira, 17 de maio de 2011

Comecem de novo


A continuação da continuação

O primeiro problema é não começar coisa alguma. O segundo é começar e não ir adiante. O terceiro é começar, ir adiante por algum tempo e desistir pouco depois. Para quem já pôs de maneira correta as mãos no arado, o maior desafio é a continuação da continuação.

Primeiro, vem a descoberta da fé, a iniciação, o despertar, o abraçar, a conversão. Depois, vem a caminhada, a negação do eu, a renúncia do pecado, a obediência devida a Jesus Cristo, a continuação do compromisso, da nova vida, da nova experiência, da nova situação. Por último, vem a continuação da continuação.

Ao sair da prisão, Pedro bateu, altas horas da noite, à porta da casa de Maria, mãe de João Marcos. A empregada veio, mas não abriu a porta, e Pedro continuou a bater. Seguiu-se uma discussão entre a empregada e os irmãos que estavam ali a noite toda orando por Pedro. O apóstolo não desistiu e continuou a continuação, até que a porta se abriu (At 12.12-16). O mesmo aconteceu com o homem da parábola de Jesus que insistiu com o amigo até ele lhe emprestar três pães (Lc 11.5-8).

Embora Paulo se congratule com os coríntios, porque eles tinham aceitado o evangelho e continuavam firmes (1Co 15.1), no versículo seguinte o apóstolo chama a atenção para a continuação da continuação: “A mensagem que eu anunciei a vocês é o evangelho, por meio do qual vocês são salvos, se continuarem firmes nele” (15.2, NTLH). Antes de encerrar a carta, por mais duas vezes, Paulo exorta-os a continuarem firmes: “Continuem fortes e firmes” (15.58) e “Estejam alertas, fiquem firmes na fé, sejam corajosos, sejam fortes” (16.13, NTLH).

A continuação da continuação resolverá muitos problemas dos cristãos e da igreja. É essa falta de continuação, dia após dia, que arrefece a fé e o testemunho. Não há feriados nem férias para a continuação da continuação. A continuação é uma linha firme que liga o ontem ao hoje e o hoje ao dia final. A caminhada não é curta; ela é comprida e muito comprida. Jesus menciona essa continuação no sermão profético: “Todos odiarão vocês por serem meus seguidores, mas quem ficar firme até o fim será salvo” (Mc 13.13, NTLH). Não existem paradas ao longo do caminho. A única parada é o fim dos tempos, quando Jesus voltar, por ocasião da plenitude da salvação. A continuação da continuação descamba na consumação da história. Daí o conselho: “Nosso profundo desejo é que cada um de vocês continue com entusiasmo até o fim, para que, de fato, recebam o que esperam” (Hb 6.11, NTLH)!

Se houver alguma parada provocada por negligência ou pecado, a regra é: “Comecem de novo a viver uma vida séria e direita e parem de pecar!” (1Co 15.34, NTLH).

Jesus deixou claro que a continuação da continuação é um elemento importante na oração, como se pode ver na parábola da viúva persistente (Lc 18.1-6).

Extraído da revista Ultimato

site revistaultimato.com.br

segunda-feira, 16 de maio de 2011

União estável homoafetiva, um direito conquistado




ESCRITO POR FREI GILVANDER MOREIRA   
11 DE MAIO DE 2011

O Supremo Tribunal Federal, no dia 5 de maio de 2011, decidiu por unanimidade reconhecer, juridicamente, a união estável homoafetiva. Assim, o STF reconheceu como legítimas e constitucionais decisões que já acontecem em dez estados brasileiros em 1ª e 2ª instâncias e em mais de vinte países. Decisão justa, que trouxe alegria aos defensores do respeito à orientação sexual homossexual. Declara-se assim o início do fim da hegemonia da moral heterossexual. Abre caminho para a afirmação à luz do dia das uniões estáveis entre homossexuais que até aqui pagavam um altíssimo preço pelas suas opções. Mas segmentos conservadores ficaram irritados e questionam o acerto da decisão do STF.

Para a decisão, o STF se fundamentou em vários argumentos jurídicos, tais como "a homossexualidade caracteriza a humanidade de uma pessoa. Não é crime. Então por que o homossexual não pode constituir uma família? Por força de duas questões que são abominadas por nossa Constituição: a intolerância e o preconceito" – frase do ministro Luiz Fux.

"O reconhecimento de uniões homoafetivas encontra seu fundamento em todos os dispositivos constitucionais que tratam da dignidade humana" (ministro Joaquim Barbosa).

"Se o reconhecimento da entidade familiar depende apenas da opção livre e responsável de constituição de vida comum para promover a dignidade dos partícipes, regida pelo afeto existente entre eles, então não parece haver dúvida de que a Constituição Federal de 1988 permite a união homoafetiva admitida como tal" (ministro Marco Aurélio).

"Aqueles que fazem sua opção pela união homoafetiva não podem ser desigualados em sua cidadania. Ninguém pode ser de uma classe de cidadãos diferentes e inferiores, porque fez a escolha afetiva e sexual diferente da maioria" (ministra Cármen Lúcia).

"O Supremo restitui (aos homossexuais) o respeito que merecem, reconhece seus direitos, restaura a sua dignidade, afirma a sua identidade e restaura a sua liberdade" (ministra Ellen Gracie).

"É arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, exclua, discrimine ou fomente a intolerância, estimule o desrespeito e a desigualdade e as pessoas em razão de sua orientação sexual" (ministro Celso de Mello).

Se o elo mais forte de uma corrente é o elo mais fraco, só poderá ser mais justo o que for tratado a partir do elo enfraquecido e discriminado. Numa sociedade preconceituosa, intolerante, hipócrita e cínica, os homossexuais são um dos elos discriminados. Feliz do povo que ouve os clamores dos que fazem outra opção sexual senão a hegemônica. Quanta dor! Quanta lágrima derramada! Quanta cruz carregada!

Devemos respeitar todos, mas não podemos respeitar todos da mesma forma. Devemos respeitar as minorias – sem terra, mulheres, negros, deficientes, idosos, indígenas, homossexuais, sem casa etc. – nos colocando na e da perspectiva deles para a partir deles nos posicionar sobre o que deve ser considerado justo. E devemos respeitar os diferentes que estão na classe dominante – latifundiário, machistas, racistas, "normais", fortes, brancos, heterossexuais, especuladores etc. – fazendo de tudo para retirar das mãos deles as armas de opressão com as quais discriminam, muitas vezes, inconsciente e involuntariamente.

Na Bíblia, o primeiro relato da Criação (Gen. 1,1-2,4a) mostra o ser humano profundamente ligado e interconectado a todas as criaturas do universo. De uma forma poética, o relato bíblico insiste na fraternidade de fundo que existe entre todos os seres vivos que são uma beleza. Nas ondas da evolução, Deus, ao criar, sempre se extasia diante de todas as criaturas e exclama: "Que beleza! Bom! Muito bom!" O livro de Atos dos Apóstolos resgata, nas primeiras comunidades cristãs, essa mística ao dizer que não há nada impuro. Tudo é puro, é sagrado. Deus não faz acepção de pessoas, não discrimina. O apóstolo Pedro ressalta a ordem divina de não chamar de profano ou de impuro nenhuma pessoa (At 10,28). Pedro muda de atitude e passa a perceber que Deus não faz discriminação de pessoas. O importante é a prática da Justiça (At 10,34-35). O autor da Carta de Tiago nos alerta que Deus não faz distinção de pessoas, mas faz opção pelos pobres. Não é tolerável rico discriminar pobre. (cf. Tg 2,1-9). Numa sociedade hegemonicamente heterossexual, os homossexuais são "pobres". Por isso, devem ser respeitados e compreendidos.

Na decisão do STF - que reconheceu a união estável entre as pessoas de opção homoafetiva - não se pode deixar de destacar e parabenizar a luta do movimento pelos direitos dos homossexuais, que incansavelmente, no Brasil e no mundo, vem marchando pelas ruas, erguendo suas bandeiras, gritando de diferentes formas o direito que agora é reconhecido. Os ministros do STF não criaram uma novidade, mas em cada voto ecoaram os clamores das pessoas homossexuais que lutam pela afirmação de seus direitos há tanto tempo.

Nesse caso, o STF deu exemplo de coragem e cidadania. Tornou-se visível o invisível. Mas a luta continua. Luta contra a homofobia, o preconceito e o conservadorismo que só excluem e negam a liberdade e a dignidade constitucionalmente garantidas e biblicamente amparadas.

Enfim, é ético seguir o seguinte princípio: No necessário, a unidade; no discutível, a liberdade; em tudo, o amor.

Texto escrito em Belo Horizonte, em 9 de maio de 2011, véspera dos 25 anos de martírio do padre Josimo Tavares, ocorrido em 10/05/1986.

Frei Gilvander é mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblia, assessor da CPT, CEBs, SAB e Via Campesina  – Página na web:http://www.gilvander.org.br/