segunda-feira, 23 de maio de 2011

"A anti-rosa atômica"


Lição Inesquecível
maio 16, 2011 por  Lyani
Em um raio de dois quilômetros, uma professora chamada Arai, recebeu uma lição inesquecível sobre os efeitos diferenciais de superfícies negras e brancas na absorção da luz. Quando veio o clarão, ela estava sozinha em sua classe, porque havia decidido dar mais alguns minutos para as crianças brincarem no pátio. Arai estava pendurando os melhores exemplos de caligrafia dos alunos em uma janela que dava para o hipocentro. Uma garotinha, executando sua delicada caligrafia em nanquim, tinha pintado o nome de sua professora em uma folha branca de papel-arroz. O clarão foi tão rápido que Arai pensou que uma bomba de quase quinhentos quilos tivesse caído bem ao lado da janela. Seguindo seu treinamento contra bombardeios aéreos, ela se agachou imediatamente para se proteger, esperando somente um ‘rápido desaparecimento’, advindo de uma bomba cheia de dinamite e cargas de fósforo lançada tão perto dela. Ficou perplexa, então, quando a luz diminuiu e o estrondo que esperava não veio pelo que pareceram vários longos segundos. Estava quase levantando a cabeça para dar uma olhada do lado de fora quando a janela explodiu para dentro da classe e milhares de pedaços de vidros voaram sobre suas costas, sem lhe causar dano.
Quando Arai se levantou novamente, ela observou uma grande nuvem vulcânica cheia de vaga-lumes que mudavam de cor: de dourado a violeta e depois para uma tonalidade brilhante de verde, mais deslumbrante que qualquer esmeralda que ela pudesse imaginar. Quando os vaga-lumes desapareceram e uma mosca pousou num corte em seu antebraço, ela tornou-se consciente de duas realidades: as crianças não estavam mais lá fora. Era como se alguma coisa as tivesse silenciosamente removido, deixando pilhas de trapos ardentes em seu lugar. Sua segunda constatação foi a de que seus braços, seu rosto, e tudo o mais que não tivesse sido protegido detrás dos papéis na janela pareciam muito queimados pelo sol.
Em sua mão,  Arai ainda tinha a folha de papel-arroz, mas esta havia se transformado dramaticamente. Os caracteres japoneses, em preto, tinham absorvido a luz, queimando instantaneamente e desaparecido, enquanto o papel branco ao seu redor refletira a luz de volta para onde tinha vindo e sobrevivera mais ou menos intacto. Quando o raio de calor queimou as pinceladas, apenas uma fração do poder da bomba tinha sido usada e começava a desaparecer. Uma fina folha de papel tinha protegido os olhos da professora, salvando-a da cegueira, mas mesmo uma fração já definhante da fúria não consumida da bomba era significante. Sua luz ardeu através das letras que faltavam como um jato de tinta passando por um estêncil. A luz atingiu o rosto de Arai com a força equivalente a um banho de sol de quatro ou cinco dias de verão, marcando permanentemente na pele a caligrafia de uma criança morta. Tudo isso aconteceu antes que Arai pudesse começar a se agachar ─ em quatro décimos de segundo.

Charles Pellegrino in O Ultimo Trem de Hiroshima

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